DIAS que viraram ANOS




O "princípio do dia profético" consiste em associar "1 ano" para cada "1 dia" citado em determinadas profecias bíblicas. Vários teólogos judeus e gentios através dos tempos aplicaram este princípio às "2300 tardes e manhãs" de Daniel 8:14 e, às "setenta semanas" de Daniel 9:24. Entre esses teólogos encontra-se o judeu Rashi(a), que traduziu Daniel 8:14 da seguinte maneira: "E ele disse-me: 'Até 2300 anos [...]'." O princípio do dia profético tem sido reconhecido e aceito em todo o mundo durante séculos, por isso, não procede a insinuação de que seja uma inovação adventista.

O fundamento bíblico para afirmar que os "2300 dias"(b) de Daniel 8:14, são na verdade "2300 anos", esta nos versos de Números 14:34 e Ezequiel 4:5-7 que dizem respectivamente: "[...] cada ano corresponderá a cada um dos quarenta dias em que vocês observaram a terra." (NVI); "determinei que o número de dias seja equivalente ao número de anos [...] um dia para cada ano." (NVI).

O Antigo Testamento apresenta outro vínculo de proporcionalidade entre "dia" e "ano" bastante usado por várias versões bíblicas, embora elas utilizem em alguns textos a palavra "ano", no original hebraico tem-se a palavra "dias". Por exemplo, em Êxodo 13:10costuma-se aplicar a expressão "de ano em ano" enquanto no texto original consta "de dias em dias": "Cumpra esta determinação na época certa, de ano em ano [de dias em dias]." (NVI). O mesmo ocorre em I Samuel 27:7: "Davi morou em território filisteu durante um ano [dias] e quatro meses." (NVI). No hebraico a palavra geralmente usada para especificar o período de "1 ano" é "shanah" (no plural, shaneh), porém, nos casos em pauta a palavra "dias" (yowm) foi utilizada, o que demonstra uma ligação direta e representativa de "ano".


E essa relação "dia-ano" deve ser aplicada nas profecias do livro de Daniel, como naquelas descritas nos capítulo 7, 8 e 9. Exemplificando, o verso de Daniel 9:25 declara que: "desde a saída da ordem para restaurar e para edificar Jerusalém, até ao Ungido", haveria um espaço de tempo de "sessenta e nove semanas". A ordem para esta restauração foi entregue pelo rei Artaxerxes I em 457 a.C., e a partir dela até o Ungido (até o batismo de Jesus, 27 d.C) transcorreram 483 anos. E, em linguagem profética, este período corresponde exatamente às 69 semanas (69 x 7 = 483 dias proféticos ou 483 anos literais).


Se o período profético de 69 semanas representasse literalmente 483 dias, o que equivale a "1 ano, 4 meses e 3 dias", isso reduziria excessivamente o intervalo entre a restauração de Jerusalém e o batismo de Jesus, tornando a profecia sem fundamento bíblico e histórico. O princípio do dia profético precisa ser aplicado em Daniel 9:25, ou o mesmo torna-se sem sentido.

A proporção de "1 dia" para cada "1 ano" ajusta-se perfeitamente nos eventos que ocorreram ao longo das 70 semanas (490 anos), e estas semanas estão inseridas no intervalo de tempo maior, a saber: os "2300 dias" (2300 tardes e manhãs). Portanto, se o princípio for usado apenas nas 70 semanas a profecia torna-se ilógica, pois é impossível "2300 dias" literais conter 490 anos. A única maneira de harmonizar esta questão é aplicando o princípio do dia profético aos "2300 dias". Outra prova a favor desta aplicação é a análise do contexto de Daniel 8:13:
"[...] Quanto tempo durarão os acontecimentos anunciados por esta visão? Até quando será suprimido o sacrifício diário e a rebelião devastadora prevalecerá? Até quando o santuário e o exército ficarão entregues ao poder do chifre e serão pisotea­dos?" (NVI).
Em Daniel 8:13 é questionado o término de tudo aquilo que foi testemunhado na visão (Daniel 8:1-12), especialmente o término da hegemonia satânica (Daniel 8:10-12), pois ela: ocultava fortemente a atuação de Cristo no santuário celestial (o pecador estava sendo impedido de buscar a intercessão de Cristo, Daniel 8:25; II Tessalonicenses 2:3-4); perseguia implacavelmente os filhos do Altíssimo (Daniel 7:21-22; Apocalipse 12:17); e, ousadamente, estabelecera e exaltava a lei de Deus falsificada(c) (Daniel 7:25). E a resposta à Daniel 8:13 foi que as coisas mencionadas na visão ocorreriam ao longo das "2300 tardes e manhãs" (Daniel 8:14), que correspondem a "2300 dias" proféticos ou "2300 anos" literais. Lembrando que os "2300 dias" proféticos abrangem o período dos impérios medo-persa, grego e romano(d).

Se os "2300 dias" não correspondessem a "2300 anos", eles seriam rigorosamente "6 anos, 3 meses e 20 dias". Então, como poderia esta contagem de tempo, literal, incluir os impérios citados? Impossível. Somente o império medo-persa durou 208 anos. Ademais, como poderia um período de "6 anos" abranger todos os eventos previstos até o "tempo do fim"?(e) Portanto, faz-se necessário o uso do princípio do dia profético pois a visão ultrapassa dois milênios e envolve todos os impérios e eventos relatados por Daniel. A proporção de "1 dia" para cada "1 ano" revela-se imprescindível em Daniel 8:14.

Um tempo, dois tempos e metade de tempo

"Proferirá insultos contra o Altíssimo e porá à prova os santos do Altíssimo; ele tentará mudar os tempos e a lei, e os santos serão entregues em suas mãos por um tempo, dois tempos e metade de um tempo." (Daniel 7:25 BJ).
Em Daniel capítulo 7 é descrito um poder representado por um "chifre pequeno" que reinou de forma soberana entre as nações, ele é o mais detalhado e os motivos estão sintetizados no verso 25. Mesmo após o fim do império Romano Ocidental, em 476 d.C., a sua instituição religiosa (igreja de Roma) permaneceu atuante e, em 538 d.C., o imperador bizantino Justiniano declarou que o bispo de Roma deveria ser reconhecido como o líder da igreja a nível mundial. Assim, a igreja Católica Apostólica Romana consolida seu poder religioso e recebe prerrogativas políticas inesgotáveis.

Daniel descreve que a igreja de Roma, representada pelo "chifre pequeno", teria pleno domínio por "um tempo, dois tempos e metade de um tempo" (Daniel 7:25). "Um tempo" (traduzido do hebraico 'iddan) equivale a "360 dias", nesse caso, a somatória de "um tempo, dois tempos e metade de um tempo" resulta em "1260 dias", que pelo princípio do dia profético correspondem a "1260 anos". Portanto, segundo Daniel 7:25, o período de supremacia religiosa e política da igreja de Roma seria de 1260 anos; intervalo de tempo em que ela impôs, conquistou e defendeu seus interesses de forma ferrenha(f).


Contando 1260 anos a partir de 538 d.C., chega-se a 1798 d.C., época em que o embaixador francês na Itália, Louis Alexandre Berthier (general das Forças Revolucionárias Francesas e chefe do Estado maior de Napoleão), invadiu Roma e prendeu o Papa Pio VI sob a alegação de insulto. O anel que indicava a autoridade do papa foi retirado e suas propriedades foram confiscadas e vendidas, em seguida o "Estado Papal" foi abolido e Roma foi declarada república. Ainda aprisionado, o papa morreu em Valença (França) no dia 29 de agosto de 1799. Assim, este episódio pôs fim ao longo período de supremacia do bispo de Roma.

Se o princípio do dia profético não fosse aplicado, os "1260 dias" resultariam em apenas "3 anos e 6 meses", tempo insuficiente para que a igreja de Roma desenvolvesse todos os eventos mencionados nas profecias (Daniel 7:25 cf. Daniel 8:10-12). Ademais, sua supremacia se estendeu até o "tempo do fim" (Daniel 8:17-19), época em que Deus Se assentou para julgar e definir o Seu reino(g). O capítulo 13 de Apocalipse também descreve a atuação da igreja romana e o seu tempo de hegemonia:
"À besta foi dada uma boca para falar palavras arrogantes e blasfemas, e lhe foi dada autoridade para agir durante quarenta e dois meses. Ela abriu a boca para blasfemar contra Deus e amaldiçoar o Seu nome e o Seu tabernáculo, e os que habitam nos céus." (Apocalipse 13:5-6 NVI cf. Daniel 7:25, Daniel 8:13).
À semelhança de Daniel, João utiliza a linguagem profética para descrever o tempo de domínio da igreja romana quando menciona "42 meses". Levando em consideração o antigo calendário hebreu que possuía cada mês com 30 dias, tem-se: 42 meses x 30 dias = 1260 dias. E pelo princípio de "1 dia" correspondendo a "1 ano", os 42 meses equivalem a 1260 anos, o mesmo período descrito em Daniel 7:25 (cf. Apocalipse 12:6). Por conseguinte, observa-se que Daniel e João não atribuem à igreja de Roma (representada pelo "chifre pequeno", Daniel 7:8, e pela "besta do mar", Apocalipse 13:1) um domínio literal de "3 anos e 6 meses", pois tal período não é suficiente para abranger do início (538 d.C.) ao término (1798 d.C.) de sua hegemonia e, tampouco atingir o "tempo do fim".

Considerações Finais

O capítulo 7 do livro de Daniel contém vários símbolos: um leão com asas, um urso com três costelas na boca, um leopardo com quatro asas e quatro cabeças, um animal com dentes de ferro, chifres que falam; enfim, simbologias que representam fatos históricos. E em meio a tantos símbolos por que somente as descrições de tempo seriam literais? Especialmente por serem citadas de maneira tão estranha? Daniel capítulo 8 também contém uma visão com imagens simbólicas, ambos os capítulos não apresentam profecias sobre animais, mas eventos proféticos que descrevem a história da humanidade. E é natural que o fator tempo seja apresentado também de forma simbólica em vez de literal. Além do mais, "tardes e manhãs" (do hebraico, 'ereb boqer) não é a maneira comum de mencionar dias, a palavra típica para dias no hebraico é "yowm".

Não seria mais simples ter dito: "Até seis anos, três meses e vinte dias, e o santuário será purificado", em vez de "2300 tardes e manhãs"? O verso de Daniel 8:14 não traz a forma típica de indicar tempo. Em II Samuel 5:5, por exemplo, é dito que o rei "reinou sobre Judá sete anos [shaneh] e seis meses", e não 2700 "tardes e manhãs". Até mesmo a expressão "setenta semanas" de Daniel 9:24 é incomum para estabelecer tempo. Portanto, diante dos fatos bíblicos e históricos apresentados, é inegável o fundamento e a aplicabilidade do "princípio do dia profético" nos capítulos 7, 8 e 9 do livro de Daniel, tais capítulos simplesmente perdem o sentido sem o uso deste princípio.